domingo, 24 de março de 2013

Sentidos em caixas de brinquedos.

(O instante do Olhar)


Tulipa tem mania de olhar. Na correria do mundo, abstrai criando teorias sobre quem desfez a igualdade no instante do encontro dos olhos. Encontro sem replica, provavelmente. Distrai-se, também, escutando os segredos que cada lugar profere no silencio e diverte-se com as ideias insanas surgidas durante essas observações. 
Naquele dia, seu olho desviou da janela e pairou sobre aquele menino sentando à sua frente, no trem que a levava para casa.  Reconheceu Bernardo de imediato. Encontravam-se rotineiramente em corredores comuns, conversaram quatro ou cinco vezes e até já trabalharam juntos em um projeto. Possuíam quase nenhuma intimidade. Definitivamente não eram amigos! Mas, já sabia o suficiente para impossibilita-la de criar uma teoria sobre ele.
O olho de Bernardo passeava profundamente insatisfeito do lado de fora da janela, trazendo em suas retinas tristeza e santidade. Nunca antes uma presença havia perturbado tanto Tulipa, de modo que, naquele instante, sentiu-se como Caio ao encontrar Clarice pela primeira vez. Tudo sumiu. Ela só enxergava Bernardo e sua angustia.
Lembrou-se da primeira vez que percebeu Bernardo. Na ocasião, seu âmago desequilibrou e sentiu febre a noite inteira. Somente agora entendera: a culpa era dele! Perguntava-se como aquele ser, particularmente doce e calmo, transbordando paz interior, podia ser o mesmo que olhava além da janela com tanta urgência. Entendeu naquele momento: já o conhecia bem. Descobriu quase sem querer que a insatisfação profunda carregada por ele é a mesma que ela teima em esconder.
Nesse momento entrou em êxtase, numa espécie de felicidade insuportável. Começou a se apaixonar imediatamente, violentamente e profundamente.  O medo a invadiu, não sabia o que fazer, sentiu as bochechas ficarem quentes e desviou o olhar para a janela, imóvel, enquanto tudo fulminava dentro de si, olhando a janela sem ao menos compreender o que via. Não sabe quanto tempo ficou ali. Despertou do seu estado quando ouviu a porta do Vagão fechando, então percebeu: o trem havia parado e Bernardo havia descido.
Tudo se desfez no instante do piscar dos cílios, o fim no aumento de velocidade do trem. Anestesiada pela desordem do seu intimo, seu olho se perdeu na janela mais uma vez, percebendo enfim que devia ter descido duas estações antes.


 “Trago a imagem de todas as ruas por onde passo

E de alguém que nem sei quem é e que provavelmente

Eu não vou mais ver, mas mesmo assim ela sorriu para mim,

Ela Sorriu e ficou (...)”




Stephanne Oliveira
18/03/13 - 00:56






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