(O instante do Olhar)
Tulipa
tem mania de olhar. Na correria do mundo, abstrai criando teorias sobre quem
desfez a igualdade no instante do encontro dos olhos. Encontro sem replica, provavelmente.
Distrai-se, também, escutando os segredos que cada lugar profere no silencio e
diverte-se com as ideias insanas surgidas durante essas observações.
Naquele
dia, seu olho desviou da janela e pairou sobre aquele menino sentando à sua frente,
no trem que a levava para casa.
Reconheceu Bernardo de imediato. Encontravam-se rotineiramente em
corredores comuns, conversaram quatro ou cinco vezes e até já trabalharam
juntos em um projeto. Possuíam quase nenhuma intimidade. Definitivamente não
eram amigos! Mas, já sabia o suficiente para impossibilita-la de criar uma
teoria sobre ele.
O
olho de Bernardo passeava profundamente insatisfeito do lado de fora da janela,
trazendo em suas retinas tristeza e santidade. Nunca antes uma presença havia
perturbado tanto Tulipa, de modo que, naquele instante, sentiu-se como Caio ao
encontrar Clarice pela primeira vez. Tudo sumiu. Ela só enxergava Bernardo e
sua angustia.
Lembrou-se
da primeira vez que percebeu Bernardo. Na ocasião, seu âmago desequilibrou e
sentiu febre a noite inteira. Somente agora entendera: a culpa era dele!
Perguntava-se como aquele ser, particularmente doce e calmo, transbordando paz
interior, podia ser o mesmo que olhava além da janela com tanta urgência.
Entendeu naquele momento: já o conhecia bem. Descobriu quase sem querer que a
insatisfação profunda carregada por ele é a mesma que ela teima em esconder.
Nesse
momento entrou em êxtase, numa espécie de felicidade insuportável. Começou a se
apaixonar imediatamente, violentamente e profundamente. O medo a invadiu, não sabia o que fazer,
sentiu as bochechas ficarem quentes e desviou o olhar para a janela, imóvel,
enquanto tudo fulminava dentro de si, olhando a janela sem ao menos compreender
o que via. Não sabe quanto tempo ficou ali. Despertou do seu estado quando
ouviu a porta do Vagão fechando, então percebeu: o trem havia parado e Bernardo
havia descido.
Tudo
se desfez no instante do piscar dos cílios, o fim no aumento de velocidade do
trem. Anestesiada pela desordem do seu intimo, seu olho se perdeu na janela mais
uma vez, percebendo enfim que devia ter descido duas estações antes.
“Trago a imagem de todas as ruas por onde
passo
E
de alguém que nem sei quem é e que provavelmente
Eu
não vou mais ver, mas mesmo assim ela sorriu para mim,
Ela Sorriu e ficou
(...)”
Stephanne
Oliveira
18/03/13 - 00:56
Nenhum comentário:
Postar um comentário